Uma conversa exemplar
Pouco me lembro dos dias da semana passada, mas de 26 de Junho de 1959 sei da conversa entre o meu pai e o boxeur Taúta, num café de Luanda. Falavam do combate dessa noite, no Madison Square Garden, Nova Iorque. Aos 10 anos, eu conhecia Sugar Ray Robinson, o rei do jogo de pernas, e Rockie Marciano, de quem adorava o nome. Dos dessa noite, do combate pelo título de peso-pesados, o americano Floyd Patterson e o sueco Ingemar Johnsson, eu só sabia o visível. E desse visível não se falou. "Quem ganha?", perguntou o meu pai, que era o menos entendido em uppercuts. Taúta, íntimo: "O Floyd." Este era mais jovem, o outro era europeu e desde Primo Carnera, já lá iam 25 anos, nenhum ganhava o título... E o sueco treinava pouco, até levou a secretária para Nova Iorque... Afinal, ganhou o sueco (ao 3.º assalto) - mas nada disso interessa. Hoje, no anúncio da morte de Ingemar Johansson, quero agradecer-lhe a parte que lhe coube por eu ter ficado com aquela conversa para toda vida. Na verdade, com o que não se conversou. Daquele combate, entre um negro e um branco, o meu pai e o amigo do meu pai falaram como um combate entre dois homens. Fiquei encantado.
Ferreira Fernandes, DN 3/1/09
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Por que motivo me lembrei do livro de Dinis Machado quando li, hoje, esta crónica? Talvez porque, embora FF seja uns 15 anos mais novo, ambos partilham este espírito: o da memória "quase enciclopédica" de eventos da infância relacionados com uma vida mais dura e pícara do que a das crianças burguesas de hoje.
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