A partir de Rimbaud começa um período de exigência nefasta para o poeta: que se cale a boca. Uma máxima que antecipa ou que prevê um período de silêncio segundo Borges, esse silêncio que é criado pelas palavras mesmas. Então o ofício do poeta vê-se ameaçado por uma condição: calar-se a boca e ainda assim tentar fazer poesia.
Que tipo de poemas é preciso escrever quando a subjectividade duma época está determinada pela colectividade ou, por chama-lo doutro modo, o rigor implacável do mercado? Como é ainda possível confrontar a gravitação interna que exige uma expressão passando pelas “armas inocentes” (35) para chegar a esse momento culminante da “claridade inexplicável”? “Qualquer idiota escreve um bom poema” afirma Rui Zink e é completamente verdadeiro porque o acto da poesia apenas precisa uma fidelidade, uma espécie de intuição, uma escrita de riscos e acidentes onde o único que interessa é o movimento. O diabo duma arte de flutuações, onde tudo é simulado, uma arte exclusiva da mão dirá Helder: “mal tocando nas fendas/ o tremor hirsuto dum cometa cravado desde as costas/ aos lençóis.” (161) O ofício de perder-se disse Garcia Vega, para espreitar o próprio rosto nesse remoinho. O movimento das palavras, os signos en rotación segundo Octávio Paz, duma arte que se confunde com o crime, matar os significados na disseminação dos novos, sim aquilo é Derrida. A aventura que é tudo sendo nada, dirão os pessoalogos. O poeta é o exemplo desse excesso, ecce homo, ali assinalado com os dedos pela polícia, um criminoso, um idiota. E no concurso de poesia um rapaz se aproxima ao júri:
- Senhor Borges e como reconhece um bom poema?
- Será porque o coração bate mais depressa depois de ter lido um milhão de poemas.
E não é piada, continua.
domingo, 22 de fevereiro de 2009
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Ler amarcord
Ler é o confronto entre duas experiências, a do texto (que teve um autor, não o matemos mesmo que já esteja morto) e a do leitor. Camões diz "E tal o amor tiverdes/tereis a experiência de meus versos". Mais lapidar nem Wolfgang Iser consegue ser: a experiência de vida do leitor condiciona o modo como vai ler, o que no texto o vai tocar. Neste sentido, todo o acto de leitura é memória e... autobiografia. Ora o que podemos fazer, numa leitura disciplinada, é aceitar essa condição e dar-lhe algum método, em vez de a negar, o que além de infrutífero é humanamente desgastante.
Que experiências me convoca o texto? Que cordas do meu mapa-mundo afectivo ele toca?
De que modo perturba/confirma a minha visão da 'realidade'?
Já agora, o que podemos entender por 'realidade'?
Que experiências me convoca o texto? Que cordas do meu mapa-mundo afectivo ele toca?
De que modo perturba/confirma a minha visão da 'realidade'?
Já agora, o que podemos entender por 'realidade'?
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
A propósito de Molero
Uma conversa exemplar
Pouco me lembro dos dias da semana passada, mas de 26 de Junho de 1959 sei da conversa entre o meu pai e o boxeur Taúta, num café de Luanda. Falavam do combate dessa noite, no Madison Square Garden, Nova Iorque. Aos 10 anos, eu conhecia Sugar Ray Robinson, o rei do jogo de pernas, e Rockie Marciano, de quem adorava o nome. Dos dessa noite, do combate pelo título de peso-pesados, o americano Floyd Patterson e o sueco Ingemar Johnsson, eu só sabia o visível. E desse visível não se falou. "Quem ganha?", perguntou o meu pai, que era o menos entendido em uppercuts. Taúta, íntimo: "O Floyd." Este era mais jovem, o outro era europeu e desde Primo Carnera, já lá iam 25 anos, nenhum ganhava o título... E o sueco treinava pouco, até levou a secretária para Nova Iorque... Afinal, ganhou o sueco (ao 3.º assalto) - mas nada disso interessa. Hoje, no anúncio da morte de Ingemar Johansson, quero agradecer-lhe a parte que lhe coube por eu ter ficado com aquela conversa para toda vida. Na verdade, com o que não se conversou. Daquele combate, entre um negro e um branco, o meu pai e o amigo do meu pai falaram como um combate entre dois homens. Fiquei encantado.
Ferreira Fernandes, DN 3/1/09
Pouco me lembro dos dias da semana passada, mas de 26 de Junho de 1959 sei da conversa entre o meu pai e o boxeur Taúta, num café de Luanda. Falavam do combate dessa noite, no Madison Square Garden, Nova Iorque. Aos 10 anos, eu conhecia Sugar Ray Robinson, o rei do jogo de pernas, e Rockie Marciano, de quem adorava o nome. Dos dessa noite, do combate pelo título de peso-pesados, o americano Floyd Patterson e o sueco Ingemar Johnsson, eu só sabia o visível. E desse visível não se falou. "Quem ganha?", perguntou o meu pai, que era o menos entendido em uppercuts. Taúta, íntimo: "O Floyd." Este era mais jovem, o outro era europeu e desde Primo Carnera, já lá iam 25 anos, nenhum ganhava o título... E o sueco treinava pouco, até levou a secretária para Nova Iorque... Afinal, ganhou o sueco (ao 3.º assalto) - mas nada disso interessa. Hoje, no anúncio da morte de Ingemar Johansson, quero agradecer-lhe a parte que lhe coube por eu ter ficado com aquela conversa para toda vida. Na verdade, com o que não se conversou. Daquele combate, entre um negro e um branco, o meu pai e o amigo do meu pai falaram como um combate entre dois homens. Fiquei encantado.
Ferreira Fernandes, DN 3/1/09
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terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Benvindos ao Seminário em Ficção Portuguesa Contemporânea
Uma viagem pela ficção portuguesa na era democrática -- de 1974 até aos nossos dias -- com paragem em alguns temas e autores. A ficção portuguesa tem algumas obsessões e os seus autores reflectem, mesmo quando não querem (sobretudo quando não querem?) essas tensões. Em pouco mais de 30 anos Portugal mudou radicalmente: de império colonial vetusto a pequeno país atrasado, de país integrante da comunidade europeia a sociedade pós-moderna e segundo país da Europa com mais telemóveis per capita (Ok, a seguir à Finlândia). O curso centrar-se-á em contos e novelas curtas, a fim de permitir uma discussão tanto sobre as questões como sobre a arte literária.
A journey through Portuguese Fiction in a democratic era--namely from 1974 until nowadays--with several stops in authors and themes. Portuguese fiction reflects some obsessions and its authors deal with them, even when they don't mean it. Some may argue: specially when they don't mean it. In some odd 30 years,
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